A incorporação da Governança Corporativas nas empresas e saneamento básico é motivada, sobretudo, pela identificação de baixos índices de eficiência operacional. Dentro deste contexto, a utilização destes novos conceitos e seus instrumentos visam potencializar o desempenho destas empresas independente de seu porte ou natureza.
Neste sentido vale ressaltar que a melhoria da governança incentiva a integração entre a identidade da organização e demais elementos de conformidade. Além disso, propõe uma compreensão mais avançada das funções e responsabilidades da empresa ao preconizar uma visão sistêmica da organização, que possibilita novos arranjos em seus sistemas de gestão, ao considerar a inserção de novas metodologias, ferramentas de gestão de riscos e conformidade, também conhecida como “compliance”.
Em nossa opinião princípios básicos de Governança Corporativa relacionam-se diretamente com a identidade da organização, influenciando a conduta ética, norteando a atuação dos agentes de governança e o funcionamento do sistema de conformidade, sendo composto por um conjunto de elementos que atendem três finalidades básicas: prevenir, detectar e responder a eventos de materialização dos riscos e não conformidades organizacionais.
Tendo em vista a importância atual da incorporação da Governança Corporativa nas empresas do setor, ao longo deste texto propomos perpassar pelos principais aspectos desta nova abordagem organizacional tratando de elementos, como: (a) avaliação de riscos; (b) adequação da estrutura organizacional da empresa; (c) treinamento; (d) monitoramento; (e) canais de denúncia; (f) resposta aos riscos e; (g) comunicação.
Avaliação de Riscos
Diante da complexidade do atual ambiente de negócio de nosso país, existe a necessidade de que nossas empresas identifiquem os principais riscos aos quais estão expostas por meio das chamadas avaliações de risco.
Tal análise pode ser realizada por meio de processos de avaliação amplos e contínuos que podem vir a se materializar na forma de prejuízos financeiros quando são descumpridas leis, normas, códigos de conduta ou políticas internas.
A execução de avaliações de riscos periódicas ajuda a empresa a identificar suas vulnerabilidades, bem como as áreas mais suscetíveis a desvios, fraudes e corrupção, dando a ela a oportunidade de atuar de maneira preventiva e direcionada.
Nos casos específicos dos riscos corporativos estes deverão ser atualizados constantemente sempre que houver, por exemplo, alteração na estrutura ou na estratégia da organização, mudanças externas significativas (incluindo as de legislação), alterações em obrigações de conformidade, entre outros fatores, com a consequente identificação de responsáveis e dos planos de ação já estabelecidos.
Em relação especificamente aos riscos de conformidade merecem destaque: corrupção e suborno; práticas anti-concorrenciais; assédio (moral, sexual e abuso de autoridade); discriminação; vulnerabilidades cibernéticas; desrespeito a direitos humanos e trabalhistas; conflito de interesses; roubos e desfalques; fraudes contábeis; lavagem de dinheiro; impactos socioambientais; e evasões fiscal e tributária.
Desta forma as empresas devem estar sempre cientes dos riscos de conformidade em seus relacionamentos com as diversas partes denominadas “interessadas”, sendo as principais:
- Órgãos governamentais que fiscalizam a execução de contratos, compras, obrigações tributárias e fiscais;
- Clientes e fornecedores relacionados a terceiros e conflitos de interesse;
- Clientes finais que podem se manifestar por meio de sistemas de defesa do consumidor e qualidade dos produtos;
- Colaboradores por meio de leis trabalhistas, de saúde e de segurança do trabalho, decoro e respeito;
- Na organização societária, quando se tratar de transparência, equidade, prestação de contas, proteção e divulgação de informações confidenciais, proteção de ativos e propriedade intelectual, impactos sociais e ambientais.
Adequação da estrutura organizacional da empresa
Julgamos imprescindível para as empresas de saneamento de nosso país que desejam incorporar tais atividades de governança que tornem adequadas a sua estrutura organizacional, integrando e harmonizando processos e pessoas no sistema de conformidade, atribuindo responsabilidades essenciais para cada um destes atores.
Atualmente, um modelo predominante entre as empresas denomina-se “Modelo de três linhas de defesa” que foi concebido pelo IIA -Institute of Internal Auditors. Vale destacar que este modelo vem sendo adotado por algumas empresas de saneamento de nosso país e propõe uma estrutura organizacional que integra e harmoniza processos e pessoas no sistema de conformidade no âmbito da gestão de riscos, atribuindo responsabilidades essenciais para cada um de seus atores.
Neste modelo, os gestores operacionais, responsáveis pelas áreas de negócios, constituem a primeira linha de defesa. Já as funções de conformidade e de gestão de riscos formam a segunda linha de defesa, enquanto a auditoria interna representa a terceira linha, conforme ilustrado na figura a seguir.

Fonte: adaptado deInstituteofInternalAuditors (IIA) da Guidanceonthe 8th EU Company Law Directive da ECIIA/FERMA (2013).
Nesta configuração é recomendável que a função de conformidade seja dotada com autonomia, independência, imparcialidade, recursos materiais, financeiros e humanos próprios para o adequado desempenho de suas atribuições. Outro aspecto importante é o acesso ao mais alto nível hierárquico da organização para reportar suas atividades.
Comunicação e Treinamento
Outro elemento igualmente importante é o investimento em comunicação e treinamento, a fim de educar e conscientizar toda a cadeia de valor da organização.
Neste sentido, informar as linhas gerais sobre as principais políticas de conformidade definidas pela organização é essencial. Destaca-se ainda que elas devem ser acessíveis a todos os interessados, estarem em linguagem clara e serem amplamente divulgadas.
De acordo com o os conceitos atuais disseminados pelo IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o comprometimento e o apoio da administração, também deve ser explicitado de forma inequívoca desde o início e são condições indispensáveis e permanentes para a criação e o funcionamento de um sistema de conformidade, que busca fomentar uma cultura ética e uma conduta de respeito aos valores e à legislação. Desta forma, aos administradores das empresas de saneamento e demais gestores, por ocuparem funções de destaque em relação aos colaboradores, compete dar exemplos acerca da importância destas ações por meio de:
- Manifestação verbal em ocasiões de reuniões com seus colaboradores, em treinamentos, etc.;
- Incentivo ao envolvimento e ao apoio de colaboradores e terceirizados para a implementação das várias ações do sistema de conformidade;
- Liderança pelo exemplo, com atuação ética no dia a dia;
- Incentivo à adoção de boas práticas de governança corporativa.
Esta divulgação também pode ser feita por intermédio dos canais internos disponíveis na organização, como jornais, cartazes, e-mail e portal de notícias. Para garantir a ciência de todos sobre o código de conduta e as políticas de conformidade, a organização deve, por exemplo, solicitar que os funcionários assinem documento atestando conhecimento.
Também poderão ser realizados treinamentos específicos para as atividades mais expostas aos riscos de conformidade, conforme a “geografia” e o público-alvo que se pretende atingir na mesma.
Monitoramento
O monitoramento é essencial para garantir a efetividade e a melhoria contínua do sistema de conformidade. Ele poderá envolver a avaliação da adequação e do cumprimento das políticas e procedimentos instituídos, buscando a identificação e a análise de desvios tanto pelo público interno quanto pelo externo sempre levando em conta que nem todo parceiro de negócios terá capacidade de manter um sistema robusto de conformidade.
As empresas também poderão submeter suas políticas e procedimentos de conformidade a um processo de avaliação independente, realizado por terceiros, pelo Conselho de Administração, área de Auditoria Interna ou, ainda, outros órgãos de fiscalização e controle, a fim de assegurar que as medidas estabelecidas estejam em funcionamento e apresentando os resultados desejados.
Caso sejam identificadas deficiências no sistema de conformidade, o plano de remediação deverá ser proposto por meio de ações concretas para correções e melhorias necessárias para evitar a repetição dos relacionamentos indevidos e acordos com terceiros.
Canais de Denúncias
A criação e operacionalização de um Canal de Denúncias é essencial para conter desvios de conduta que, na maioria dos casos, podem envolver violação dos procedimentos da organização e/ou, de alguma forma, a deturpação ou negação de sua finalidade.
Dentro deste quadro é importante aumentar as chances dos dirigentes da empresa tomarem ciência de irregularidades através de um sistema de conformidade bem estruturado como, por exemplo, por meio de canais para receber denúncias.
Eles precisam estar bem estruturados, voltados para o público interno e externo para receber as informações e dar a elas o tratamento adequado. É essencial que os registros tenham avaliação criteriosa e simetria condizente, protegendo o denunciante de boa-fé e impedindo ações de retaliação.
Deve-se sempre destacar que o bom cumprimento dessas regras é um fator essencial para conquistar a confiança daqueles que tenham algo a reportar.
Resposta aos Riscos
Como forma de resposta aos riscos, merece destaque o fato das empresas, atualmente, poderem estabelecer políticas para condução de investigações internas de irregularidades por meio de equipes independentes e habilitadas, sob a liderança de um comitê de conduta e, sempre que possível e necessário, com apoio de agentes externos. Dependendo do porte da organização e da “materialidade” envolvida no assunto, poderá ser formada uma comissão específica de investigação.
Importantíssimo destacar que estas apurações tenham sempre o foco nas chamadas “causas-raízes”, bem como nas vulnerabilidades do sistema, prevendo sempre remediação adequada para os assuntos avaliados.
Nos casos específicos de ocorrências envolvendo o chamado “alto escalão da organização”, como algum membro da diretoria ou do conselho de administração, as melhores práticas vigentes atualmente recomendam a condução dos processos de apuração de responsabilidade por parte de organizações especializadas, independentes e isentas de conflito de interesses com os envolvidos.
Caso isso não seja possível, a auditoria interna deve estar à frente desse processo, utilizando como premissa, e a título de sugestão, as recomendações do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, conforme segue:
Os conselheiros, assim como os executivos, têm dever de lealdade com a organização e não apenas com o sócio ou grupo de sócios que os indicaram ou elegeram. Há conflito de interesses quando alguém não é independente em relação à matéria em discussão e pode influenciar ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da organização (IBGC, 2015 p. 97) .
Comunicação
Sempre que possível dever-se formalizar um processo de comunicação eficaz para o Conselho de Administração que possibilite o monitoramento e a avaliação do sistema de conformidade por meio de indicadores-chave, integrando as informações oriundas tanto da primeira quanto da segunda linha de defesa, sendo consideradas importantes algumas necessidades operacionais básicas, quais sejam:
- Dispor de infraestrutura de tecnologia da informação que permita identificar, medir e reportar os riscos de toda a organização;
- Requisitar da empresa a disponibilidade dos recursos necessários;
- Formalizar canais de comunicação interna com o Conselho de Administração, Comitês de Riscos e/ou de Auditoria, Diretorias e Gerências envolvidas;
- Formalizar um processo devidamente documentado para acompanhamento do andamento e de eventuais demandas surgidas durante estas comunicações;
- Preservar os relatórios e informações classificadas como críticas, devendo estas permanecerem íntegras e disponíveis para eventual solicitação dos órgãos de controle.
Finalmente, tendo apresentado os principais aspectos que compõem esta proposta de uma nova Governança Corporativa dentro do setor de saneamento, esperamos estar contribuindo para a melhoria dos processos de tomada de decisões e aperfeiçoamento das atividades de controle interno dessas empresas.
Entretanto, é importante destacar que ela não se limita ao que foi dito aqui, pois no contexto atual e futuro ela será uma demanda inevitável que as empresas de saneamento deverão atender, principalmente frente a um contexto em que atos de corrupção e comportamentos antiéticos não serão mais tolerados.